Imagine se, de um dia para o outro, três famílias iguais a
sua chegassem para viver na sua casa. Parece cômodo? Haveria cama, comida e banheiros
para todos? Pois foi mais ou menos essa a sensação dos 30 mil habitantes da
pacata Foz do Iguaçu no começo da década de 1970, quando foi anunciada a
construção da maior hidrelétrica do mundo na cidade. Foi preciso mudar muita
coisa para receber bem os milhares de trabalhadores que vieram de todo o Brasil
para participar da obra.
Curiosamente, quando Foz do Iguaçu completa 100 anos, Itaipu
chega aos 40. E a cidade cresceu muito nas últimas décadas, acelerada pela
construção da usina.
Se, de acordo com o Censo do IBGE de 1970, Foz era apenas a
48ª do Paraná em população - atrás de municípios como Dois Vizinhos,
Jacarezinho e Santo Antonio da Platina -, no Censo de 2010 o município aparece
como o sétimo mais populoso, com 256.088 habitantes. É, também, dono da sétima
maior economia do Estado, segundo dados de 2011 do Instituto Paranaense de
Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes).
Nesses 60 anos antes da “chegada” da binacional, o que se
via por aqui era muito diferente. Em vários sentidos: o mais óbvio,
logicamente, o alagamento de mais de 1.000 km² de terras, em sua maioria
fazendas e plantações. Os “veteranos” da Itaipu conhecem bem essa história, mas
os recém-chegados à empresa e à cidade talvez nem tenham noção das mudanças
rápidas e profundas que as águas trouxeram à região.
“Os agricultores que ocupavam estas áreas precisaram migrar
para o centro urbano de Foz do Iguaçu e de outras cidades lindeiras, mas uma
boa parte imigrou para outros estados, como Mato Grosso e Rondônia”, escreveu o
doutor em Engenharia Mauro Alixandrini em sua tese sobre Itaipu. Por outro
lado, a usina atraiu trabalhadores de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do
Sul, e muitos acabaram formando família e adotando a cidade como lar
permanente.
O diretor-geral brasileiro, Jorge Samek, presenciou a
mudança. “A gente conhecia as pessoas pelo carro. Tinha 100 números de
telefone, do 200 até o 299, e só dois prédios, o hotel Diplomata e o Banco do
Brasil. Depois foi construído o hotel Salvatti, com um cinema. Antes tinha um
cinema de palco, o Cine Star, com cadeira dura, mas o Cine Salvatti era para
mil pessoas, com boate e tudo, e Foz começou a virar essa doideira”, lembra.
Na década de 1970/80, período da implantação da usina de
Itaipu, a população cresceu em torno de 300%, passando de 34 mil para 136 mil
habitantes, explica Alixandrini. E, assim como os visitantes na sua casa, essas
pessoas precisavam de infraestrutura: moradia, saneamento, educação, saúde,
alimentação... Mas a Itaipu sabia dos transtornos e desde o começo fez o
possível para ajudar os “donos da casa”. Nas palavras do DGB: “Imagina hoje Foz
do Iguaçu sem Itaipu?”.
Educação
Nessa época já havia Ponte da Amizade e Parque Nacional do
Iguaçu – o turismo, aliás, era a maior fonte de renda da cidade desde a criação
do parque, em 1939 –, mas não havia o menor sinal de Avenida JK, Hospital Costa
Cavalcanti ou Colégio Anglo-Americano. São alguns exemplos da estrutura criada
para atender a demanda dos barrageiros que acabaram se tornando parte da cidade
mesmo após a obra.
A pesquisadora Milena Mascarenhas estudou os reflexos da
construção da Itaipu na educação de Foz. Segundo ela, houve “um aumento
significativo da criação de escolas municipais em Foz do Iguaçu a partir de
1970, mas, principalmente, na década de 80, período da construção de Itaipu.
[...] Até a década de 60, havia oito escolas municipais em Foz do Iguaçu. Na
década de 70, nove escolas foram criadas pelo município, duplicando o número em
apenas uma década. E este cenário de crescimento de escolas continuou na década
de 80 com mais 14 escolas”.
Por fim, visando proporcionar formação aos trabalhadores e
suas famílias, surgiram as faculdades: “em 1979 iniciou os trabalhos da
Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas de Foz do Iguaçu – Facisa, inicialmente
com os cursos de Administração, Ciências Contábeis e Letras e, é hoje,
reconhecida como Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste”, escreveu
Milena Mascarenhas.
Mão de obra
Até o início da construção da usina, Foz do Iguaçu vivia do
comércio e do turismo no Parque Nacional, criado em 1939. A Ponte da Amizade,
inaugurada em 1965, facilitou as relações com o Paraguai. E foi disso que
muitos ex-barrageiros passaram a viver depois do fim das obras: abriram
pequenos negócios, buscaram formação em outras áreas, importavam e exportavam.
Mas não foi um período fácil.
A abertura de postos de trabalhos não acompanhou o ritmo do
crescimento populacional. “A Itaipu Binacional também procurou empregar a
população, mas sua natureza exigia o conhecimento técnico, o que excluía
muitos, mas mesmo assim construiu uma grande infraestrutura turística”,
escreveu a pesquisadora Lavínia de Martins em “O Turismo na História de Foz do
Iguaçu”. Até hoje, o investimento da Itaipu no turismo gera emprego e renda
para milhares de iguaçuenses.
Infraestrutura
Itaipu teve importância considerável na configuração da
infraestrutura urbana da cidade. E não foi só a construção das casas na Vila A
e Vila C; trata-se da via dupla ligando a cidade à obra – a Avenida Tancredo
Neves. “Amplas avenidas de acesso aos conjuntos residenciais e em toda a sua
área de abrangência; canalização de córregos, iluminação em certas áreas;
segurança nas proximidades dos três conjuntos construídos pela empresa, num
total de 4.750 casas no lado brasileiro para abrigar seus funcionários e das
empreiteiras”, enumera o historiador Rodrigo Paulo de Jesus.
“A empresa oferecia moradia, serviço médico, escolaridade
gratuita, alimentação, além de um sistema de atividades extras como cinema,
shows e jogos de salão. Tudo ficava a cargo da Diretoria de Coordenação de
Itaipu, tanto do lado brasileiro quanto paraguaio”, completa o historiador. E
praticamente tudo ficou: ao final da obra, esses foram “presentes” deixados à
cidade e a seus moradores.
Segundo dados da revista Construção da Pesada de 1979, Foz
do Iguaçu registrou, durante quatro anos de obras, um aumento do número de
estabelecimentos comerciais, industriais e de serviços, aumento no número de
casas ligadas por rede de esgotos, da rede de abastecimento de água e do número
de telefones instalados, colocando Foz do Iguaçu na condição de um dos
municípios de maior crescimento do Paraná naquele período.
Bairros e vilas
O impacto causado pelo aumento populacional em tão curto
espaço de tempo representou grandes mudanças, às quais o município teve que se
adequar. A questão da localização, por exemplo. Se hoje Foz do Iguaçu tem dois
“centros” – o da Avenida Brasil e o da Vila A, é porque as moradias dos
barrageiros foram construídas mais perto da usina do que da área urbana da
cidade. Isso também gerou grandes áreas desocupadas no meio da cidade.
Para compreender a quantidade imensa de gente chegando,
basta observar a imagem acima, que apresenta a malha urbana de Foz do Iguaçu em
1970, 1985, 1995 e 2007.
No artigo “A construção da usina hidrelétrica de Itaipu e
seu impacto sobre a urbanização de Foz do Iguaçu”, os pesquisadores Leila
Thaumaturgo, Silvio Simões e Isabel Trannin esclarecem: “Enquanto o mapa de
1970 apresenta uma malha urbana de 2,11 km² [...], o mapa de 2007 apresenta uma
malha urbana de 191,46 km². Comparando os quatro mapas [...] observa-se que em
37 anos de urbanização (1970 a 2007), o crescimento da malha urbana foi de
6.602,06%” – algo raro de se encontrar em qualquer cidade do Brasil e do mundo.
Se a paisagem mudou, não se pode dizer o mesmo do clima. É
verdade: muita gente acha que o clima de Foz do Iguaçu ficou mais quente ou
mais úmido após a construção da usina, mas a mestre em Geografia Leila
Limberger confirmou, em “O clima do Oeste do Paraná: Análises da presença do
Lago de Itapu”, que Itaipu é inocente. Se os termômetros por aqui subiram, a
culpa é de São Pedro, não do reservatório.
Perdas e ganhos
Mudar é difícil, muita gente não gosta. Ainda mais quando a
mudança é rápida e não há como fugir dela, como foi o caso da Itaipu. Seria
impossível imaginar Foz do Iguaçu, o Brasil e o Paraguai sem a energia da
usina. Mas, é claro, o progresso têm ônus – como o desaparecimento das Sete
Quedas, o desemprego e o êxodo rural, por exemplo.
Desde 1985, Foz do Iguaçu já recebeu mais de US$ 297,8
milhões em royalties da Itaipu, como compensação pela área alagada. Além disso,
por ser sede da usina, a cidade é a 7ª do Paraná em arrecadação de Imposto de
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Para este ano, a estimativa de
receita total de ICMS é de R$ 104 milhões.
Juvêncio Mazzarollo, em “A taipa da injustiça”, resume bem a
relação de antipatia e gratidão entre usina e cidade. “Itaipu foi edificada a
um elevado custo econômico, social e ambiental, mas que resultou numa obra
magnífica, que representa uma fantástica riqueza para o Brasil e o Paraguai.
Importa que [...] Itaipu pague a conta, cubra os custos econômicos, sociais e
ambientais que impôs aos dois países [...], e particularmente à população e à
região por elas afetadas. Felizmente, é o que Itaipu vem fazendo, com
dedicação, competência e amor à causa.” E que continuará fazendo durante muitos
e muitos aniversários.
A Itaipu
A Itaipu Binacional é a maior usina de geração de energia
limpa e renovável do planeta e foi responsável, em 2013, pelo abastecimento de
16,9% de toda a energia consumida pelo Brasil e de 70% do Paraguai. Em 2013,
superou o próprio recorde mundial de produção e estabeleceu a marca de
98.630.035 megawatts-hora (98,63 milhões de MWh). Desde 2003, Itaipu tem como
missão empresarial “gerar energia elétrica de qualidade, com responsabilidade
social e ambiental, impulsionando o desenvolvimento econômico, turístico e
tecnológico, sustentável, no Brasil e no Paraguai”. A empresa tem ainda como
visão de futuro chegar a 2020 como “a geradora de energia limpa e renovável com
o melhor desempenho operativo e as melhores práticas de sustentabilidade do
mundo, impulsionando o desenvolvimento sustentável e a integração regional”.
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