David Braga*
O caso do rombo de R$ 20 bilhões que veio à tona este mês envolvendo a gigante do varejo brasileiro, Americanas S.A., e que na verdade podem ultrapassar os R$ 43 bilhões, uma vez que o divulgado não inclui impostos municipais e de outros Estados e nem o “passivo oculto”, referente às “inconsistências contábeis” de débitos, expõe várias questões relevantes sobre o papel da alta gestão no dia a dia das corporações e com certeza podemos tirar alguns aprendizados deste lastimável fato.
Em primeiro plano, cito a falta de senso de urgência, em pleno século 21, do trio de acionistas extremamente conceituado no cenário empresarial brasileiro que delongaram para se posicionar publicamente, perante uma situação tão importante e que já tem impactado milhares de pessoas. A alta gestão da empresa levou mais de 10 dias para divulgar uma nota ao mercado, na qual, literalmente, lavou suas mãos, dizendo que desconhecia as práticas contábeis que já levaram à recuperação judicial da Americanas. Com isso, conseguiu rasgar um dos pilares das melhores práticas de gestão de crise, que é a comunicação: que deve ser transparente, coesa e objetiva.
Estamos falando da vida de mais de 40 mil funcionários da varejista, que estão certamente angustiados com os rumos de suas vidas daqui para frente. Além disso, é um fato que corroeu ações e está impactando várias outras empresas do setor na Bolsa de Valores, incluindo aí a própria Ambev, de Lemann. Setores financeiros que investiam em ações da Americanas S.A. também foram atingidos, além dos inúmeros fornecedores da varejista e milhares de pessoas que investiam suas reservas financeiras nas ações das Americanas.
Em tempos em que o ESG, que tanto têm sido apregoadas por grandes empresas na atualidade, faltou por parte da Americanas um dos pilares principais do conceito ESG: a transparência. Primeiro porque nenhum conselheiro de administração, conselheiro fiscal, acionista, CEO ou CFO descobre uma inconsistência contábil de R$ 43 bilhões da noite para o dia. Segundo é ilusão achar que eles não tinham conhecimento; e Terceiro, questiono, onde estavam os executivos da alta gestão da Americanas? Com apenas 9 dias o CEO empossado em janeiro, Sérgio Rial descobriu tal inconsistência, de pelo sete anos atrás.
Da mesma forma, cabe a pergunta: onde estava o ex-presidente da empresa, o ex CFO, e a empresa de auditoria PwC? Estava todo mundo a ver navios na condução de uma empresa gigante e tão organizada em processos como a Americanas? Já se é sabido que a gestão por helicóptero, ou seja, aquela em que os executivos não se aprofundam nas operações e números, juntamente com os demais níveis da companhia, já não funciona mais e temos o caso real do que estou elucidando.
Vale lembrar que segundo levantamento do TradeMap, de janeiro a setembro de 2022, foram distribuídos R$ 333 milhões em dividendos pela Americanas aos seus acionistas, sendo este, o maior valor pago até então. Nos causa no mínimo estranheza este montante sendo distribuído, se a empresa estava com problemas de inconsistência; não é verdade?
Muito além das planilhas financeiras, é relevante lembrar também que no ambiente corporativo falhas na comunicação entre a alta gestão, a média gestão e demais colaboradores da equipe podem gerar inúmeros problemas de entendimento e de execução de demandas, podendo inclusive gerar prejuízos financeiros. Colaboradores – de todos os níveis hierárquicos - precisam de instruções precisas sobre suas tarefas, de como executá-las em tempo hábil e, principalmente, saber o que é prioridade e o que pode ser executado com mais tempo. Se a comunicação não flui, o resultado pode ser perda de tempo e de produtividade, e, claro, prejuízos.
Com tal acontecimento, uma marca consolidada como as Lojas Americanas, está literalmente abalada e com a credibilidade afetada. E já que falamos do poder da marca, é preciso estarmos atentos permanentemente às nossas atitudes cotidianas, uma vez que não se pode falar uma coisa e fazer outra. A coerência tem sido cada vez mais observada e valorizada por todos os stakeholders que nos rodeiam e cabe a cada um praticá-la no dia a dia. Se falamos cada vez mais dentro das companhias sobre a importância dos valores, propósito e legado, agir de modo incoerente pode impactar nosso êxito profissional e na solidez da corporação.
Lembro ainda a importância do papel do Conselho de Administração, que tem buscado se profissionalizar cada vez mais, já que é corresponsável, inclusive com responsabilidade fiduciária, por verificar balanços e documentos da empresa e tem papel relevante em decisões e rumos a serem tomados. Os conselheiros devem agir como protagonistas da gestão, apontando direções e aconselhando a alta e média gestão e quando necessário, promover e/ou orientar mudanças.
Fica a reflexão sobre qual aprendizado os profissionais que atuam em grandes, médias e pequenas empresas podem tirar do caso Americanas S.A. A meu ver, é essencial que no dia a dia do trabalho haja consistência técnica, acompanhamento e revisão (sempre que necessário) de processos que nos parecem rotineiros (e são), independentemente do tamanho da empresa e do seu faturamento. Se foi identificado um pequeno erro, trate de corrigi-lo; se houve dúvida ou má interpretação para executar uma tarefa, pergunte novamente. Não hesite em questionar.
Conselheiros, CEOs, CFOs, diretores, gerentes, assistentes, analistas e estagiários - Todos devem olhar para si, para a empresa onde trabalham e observar também as tendências e best practices que o mundo corporativo vive na atualidade. E é preciso também lembrar que o que funciona hoje, amanhã poderá estar obsoleto. Nos tempos atuais e com a velocidade da disseminação da informação nos meios digitais, práticas de ESG serão cada vez mais cobradas pela sociedade.
Resta saber agora se haverá penalização aos principais executivos da empresa envolvidos ou se será mais um caso em nosso país, onde a impunidade ganha destaque.
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