O empresário brasileiro é, antes de mais nada, um forte,pois, além de ter que enfrentar as adversidades dos fatores desfavoráveis de ordem estrutural (a elevada carga tributária, os juros nas alturas, os serviços públicos ineficientes, a precariedade da infraestrutura, as políticas públicas inconstantes, além de muitos outros) que os seus colegas estabelecidos em outros países não têm, sofre ainda de uma legislação tributária que trata o contribuinte como um vilão e não como o principal protagonista do sistema tributário que sustenta o Estado Brasileiro.
Esse tratamento injusto do contribuinte é um viés cultural no Brasil onde o fisco é tido como um ente poderoso e feroz, haja vista, por exemplo, a simbologia utilizada pela Receita Federal para o Imposto de Renda,na figura de um leão. Nesse cenário, nada mais natural que o auditor, o “temido” fiscal, sinta-se um todo poderoso de quem todos os contribuintes devem ter medo e serem totalmente subservientes. O contribuinte deve ser tratado sempre como devedor ou até como “sonegador”, até que se prove o contrário (o que não é fácil na nossa intrincada, complexa e extensa legislação).
Para apoiar esse indigesto viés, a nossa legislação tributária é, na maioria das vezes, elaborada com foco na conveniência e na eficiência da arrecadação, desprezando, quase sempre, a simplicidade, a objetividade, a facilidade para quem recolhe os impostos, contribuições e taxas. Por outro lado, o desenvolvimento da tecnologia da informação, da informática, nota-se que, ao invés de facilitar, acabou complicando ainda mais a vida do contribuinte porque, mais uma vez, essa fantástica ferramenta de racionalização está sendo utilizada com ênfase só na conveniência da máquina arrecadadora.
Além da questão da complexidade para o pagamento de tributos, as multas previstas na nossa legislação tributária representam um outro abuso contra o contribuinte. Um mero e involuntário erro, por exemplo, na emissão de um documento fiscal que não tem a mínima consequência para a arrecadação, pode ter a cominação de multa calculada sobre o valor da operação,além da obrigação que o contribuinte tem de corrigir a falha. Por exemplo, o artigo 571 do Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010, que dispõe sobre o Regulamento do Imposto sobre Produtos Industrializados – RIPI, pune com multa correspondente a 150% da diferença do imposto no caso de declaração inexata em documento fiscal expedido durante o regime especial de fiscalização. No mesmo RIPI, a mera falta de destaque do imposto na nota fiscal, o contribuinte é punido com multa de 75%. No Regulamento do Imposto de Renda aprovado pelo Decreto nº 300, de 26 de março de 1999, a multa prevista no seu artigo 959 chega a 225% da diferença apurada em lançamento de ofício (fiscalização).
Diante da enormidade do absurdo existente na nossa legislação tributária, em recentíssima decisão, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal determinou que a multa aplicada ao contribuinte não pode ser superior a 100% e ultrapassar o valor do tributo. Mas, ainda assim, entendemos que o STF está sendo demasiadamente complacente com o Fisco.
Além de todas as disposições arbitrárias contra quem paga tributos neste país, de um modo geral, a auditoria, a fiscalização tributária,peca por agravar o viés “anticontribuinte” da legislação como acima comentado.Ou seja, o agente fiscal não atua como “servidor público”, no sentido de, em primeiro lugar, procurar orientar o contribuinte, dar esclarecimentos sobre a correta interpretação ou aplicação das normas tributárias. Aliás, não faz tempo, tivemos até administrações públicas que distribuíam “quotas de participação” aos fiscais sobre o valor das multas aplicadas aos contribuintes,um absurdo sem tamanho, até sob o ponto de vista ético. Mas esse tipo de prática não está totalmente erradicado do seio da administração tributária,haja vista a existência, ainda hoje, por exemplo, de programas de metas em que cada agente fiscal deve “produzir” um certo número de autuações ou lançamentos.
Por fim, é forçoso mencionar que a nossa Constituição Federal não contém disposição que, de alguma forma, possa amenizar o enorme desequilíbrio de forças e de poder existente entre os contribuintes e o Erário. Mas vale salientar a existência de oito Projetos de Lei que tratam da instituição do Código de Defesa do Contribuinte: o PL 2.557/2011, do deputado Laércio Oliveira (PR/SE), o PLP 70/2003, do deputado Davi Alcolumbre (PST/AP),o PLP 27/2007, do deputado Sandro Mabel (PMDB/GO), o PLP 194/2001, do deputado Chico Princesa (PSDB/PR), o PLP 37/2007, do deputado João Dado (PDT/SP), o PLP 38/2007, do deputado Sandro Mabel (PMDB/GO), o PLP 285/2005, da deputada Zulaiê Cobra (PSDB/SP), e o PLS 298/2011, da senadora Kátia Abreu (PMDB/TO).
* Hiroyuki Sato é diretor executivo de Assuntos Tributários, Relações Trabalhistas e Financiamentos da ABIMAQ.
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