Era manhã de sexta-feira, 1º de fevereiro de 1974, quando a rotina de trabalhadores e visitantes no centro de São Paulo foi brutalmente interrompida por um incêndio que viria a ser lembrado como uma das maiores tragédias urbanas brasileiras. Por volta das 8h50, um curto-circuito em um aparelho de ar-condicionado no 12º andar do então Edifício Joelma — um imponente prédio comercial de 25 andares na Avenida Nove de Julho — deu início a um incêndio que se tornaria um pesadelo para centenas de pessoas e uma marca indelével na memória da cidade.
O rápido avanço das chamas e o sacrifício dos ocupantes
O fogo começou em uma sala de escritório e, em poucos minutos, percorreu os andares superiores. O interior do edifício estava repleto de materiais altamente inflamáveis — carpetes, divisórias e móveis de madeira — que alimentaram as chamas e aceleraram sua propagação.
Sem sistemas básicos de segurança contra incêndios — como alarme, luzes de emergência, sprinklers ou saídas adequadas — e com a única escada de emergência rapidamente tomada por fumaça e calor, a situação tornou-se caótica. Muitos ocupantes ficaram presos entre o fogo e a fumaça, enquanto outros tentavam escapar pelas janelas ou buscar refúgio no telhado, na esperança de serem resgatados por helicópteros.
Apesar do esforço das equipes de resgate, cerca de 187 pessoas perderam a vida, e mais de 300 ficaram feridas — a maioria por asfixia, queimaduras ou quedas desesperadas de grandes alturas.
Testemunhas relataram cenas de desespero indescritível: pessoas enfrentando fumaça tóxica, gritando por ajuda, ou fazendo escolhas impossíveis no limite entre a vida e a morte. A tragédia atingiu profundamente não apenas as vítimas e seus familiares, mas toda a cidade, que acompanhava, atônita, as notícias que chegavam pela imprensa e rádio.
O trabalho dos bombeiros e o fim do fogo
As equipes dos Corpos de Bombeiros chegaram ao local pouco depois do início das chamas, mas foram confrontadas com um cenário desafiador: fumaça espessa, calor intenso e a estrutura alta e complexa do prédio dificultaram as operações de combate. O fogo só foi controlado após cerca de seis horas de trabalho, quando todos os materiais combustíveis já haviam sido consumidos pelas chamas.
Até hoje, o episódio é lembrado como um dos piores incêndios em edifícios altos da história — muitas vezes comparado, em escala de fatalidade, a grandes tragédias internacionais (sendo superado apenas por eventos excepcionais como o ataque às Torres Gêmeas em 2001).
Entre o choque e a mudança: o legado do incêndio
Dor e memória coletiva
Nos dias seguintes ao incêndio, a comoção espalhou-se por São Paulo e pelo Brasil inteiro. Famílias e amigos buscavam notícias dos entes queridos, enquanto hospitais e postos de atendimento recebiam as vítimas com queimaduras e trauma físico e emocional. Programas de rádio e jornais dedicaram amplo espaço à cobertura do desastre e aos relatos dos sobreviventes, que carregavam marcas profundas do que viveram.
O prédio ficou fechado por quatro anos para reforma. Quando reaberto, em 1978, recebeu um novo nome: Edifício Praça da Bandeira — um gesto simbólico para tentar dissociar o lugar da tragédia que ali ocorrera.
Impactos na segurança e regulamentação
Uma das consequências mais duradouras do incêndio no Joelma foi o impacto na legislação e nas normas de segurança contra incêndio no Brasil. A tragédia expôs a precariedade das normas de proteção existentes na época — que não exigiam sistemas básicos como saídas de emergência adequadas e equipamentos de detecção ou combate ao fogo.
Nos anos seguintes, a cidade de São Paulo e diversos estados passaram a revisitar e fortalecer suas regras de segurança contra incêndio, com novas exigências para edifícios altos, incluindo exigências sobre materiais resistentes ao fogo, sistemas de alarme e iluminação de emergência, e saídas adequadas.
Lembrança e reflexão 50 anos depois
Cinco décadas após o incêndio, o episódio do Edifício Joelma ainda é objeto de estudos, seminários e debates sobre segurança em edificações. Sobreviventes, familiares e especialistas seguem relembrando não apenas a dor daquela manhã, mas também a importância de não esquecer as lições aprendidas com o desastre.
O fogo que consumiu o Joelma foi mais do que um acidente: foi um ponto de inflexão para que o Brasil percebesse, dolorosamente, a necessidade de investir em prevenção, treinamento e normas que realmente protejam vidas contra a fúria das chamas.


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